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A DUPLA MOTIVAÇÃO ENTRE ÁGAMÊMNON E ZEUS NO SACRIFÍCIO DE IFIGÊNIA

Segue abaixo o meu ensaio produzido para a matéria, Mito e Engano: a Ate na Ilíada, acompanhada na pós-graduação de Letras Clássicas, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

INTRODUÇÃO

No presente trabalho pretendemos analisar com brevidade o fenômeno da dupla motivação presente nas ações de Agamêmnon na tragédia de mesmo nome, primeira da trilogia da Orestéia, de Ésquilo. A passagem referente ao presságio das águias e da profecia reveladora de Calcas, em conjunto com os contornos do sacrifício de Ifigênia, tal como apresentados por Ésquilo, servirão de fundo para o estudo deste fenômeno construído na tensão entre determinação divina e autonomia das ações humanas.
Agamêmnon, general do exército e sob o titulo do rei dos reis, reúne os gregos para a guerra contra Tróia. Está sob o juramento de seu cetro e deve seguir com a Justiça de Zeus pela vingança contra Páris e todo o povo de Príamo. Contudo se encontra incapaz de prosseguir, preso no porto de Áulida. Ártemis o impede de atravessar o mar lançando-lhe uma grande tempestade. É neste contexto que o presságio, lido pela adivinhação de Calcas, incube o rei de sacrificar Ifigênia, a filha mais querida, em prol do fomento da Guerra de Tróia.

O DEVER DE AGAMÊMNON E O DESÍGNIO DE ZEUS

Para compreender a situação de Agamêmnon diante do desconcertante sacrifício, é necessário primeiro entender quais são seus deveres. É claro que, como pai, Agamêmnon tem o dever de cuidado sobre seus filhos e sua própria casa. Contudo é o seu dever como rei que impera nas suas ações, e é como enviado de Zeus que precisa dar andamento à guerra. Agamêmnon recebeu o cetro, símbolo do poder e da justiça comum aos reis; mas mais que isto, também recebeu de Zeus o governo sobre os demais reis gregos e o dever de reuni-los para a Guerra de Tróia. Esta determinação divina é reconhecida por Agamêmnon e por todos os gregos e deve pautar seus atos na medida em que é um herói do mundo antigo.
Em segundo lugar, devemos esclarecer as duas determinações aparentemente conflitantes trazidas pelo presságio: uma de Zeus e uma de Ártemis. O presságio descrito pelo Coro dos Anciãos nos versos 126 a 155 do Párodo Lírico da Tragédia recai sobre a seguinte cena: duas águias de espécies diferentes tomam como repasto uma lebre prenhe. Trata-se de um bom presságio, dá-se pelo lado direito, contudo tem um tom de ambigüidade quando contraposto à situação das naus gregas diante da tempestade de Áulida. Calcas, o adivinho, prevê a vitória de Agamêmnon e Menelau, as duas águias enviadas por Zeus, contra Tróia – a lebre despedaçada. Esta é a boa configuração que se retira do presságio, seguida da terrível exigência de Artémis e o relance misterioso do futuro e do passado do rei. Perceptível a partir do seguinte fragmento[1]:
(...)
“A tempo esta incursão pilha o país de Príamo,
“Ruína espoliará com violência
“todas as tropas que o povo pôs
“copiosas diante das muralhas.
“Que a ira dos Deuses não entenebreça
“por precipitado o grande freio de Tróia
“acampado; por dó Ártemis pura se recusa
“aos alados cães do Pai sacrificadores
“de mísera lebre prenhe antes do parto
“e tem horror ao repasto das águias.”
Lúgubre lúgubre canta, mas vença o bem.

“A Bela, por quanto benévola
“com filhotes inermes de árdegos leões
“e prazerosa com lactentes crias
“de todos os animais selvícolas,
“pede que deles se cumpram sinais,
“destras mas repreensíveis visões.
“Invoco Ieio Peã,
“que ela não faça aos dânaos ventos adversos
“tardios travantes inavegáveis,
“a urgir sacrifício outro insólito impartilhável,
“inato artesão de rixas por não temer marido,
“pois permanece pavorosa ressurgente
“Caseira astuta: memore Cólera filivíndice.”

Não poderemos nos propor a discutir a previsão em todos os seus aspectos, conquanto detenhamo-nos na análise das ações de Agamêmnon diante do sacrifício de sua filha. Neste sentido nos concentraremos nestas palavras: “Caseira astuta: memore Cólera filinvídice”. É possível ler nos termos do sacrifício dos filhos tanto as tessituras do passado, do festim de Tiéstes e da maldição da casa de Atreu, quanto do futuro, no sacrifício de Ifigênia à Ártemis e a conseqüente vingança de Clitemnestra contra seu marido.
Por isso há no presságio, tal como verifica Torrano[2], um aspecto fausto, assinalado por desígnios de Zeus, da vitória dos gregos sobre os troianos como a devida paga ao crime de Páris; bem como um aspecto obscuro e terrível, estabelecido pela necessidade do pior sacrifício exigido por Ártemis contra Agamêmnon. Apesar desta aparente contradição, não é correto interpretar como absolutamente conflitante a vingança de Zeus e a ira de Ártemis. Agamêmnon está sim, destinado por Zeus a cumprir sua punição e a trazer novamente o balanço do equilíbrio a partir da justiça de seu cetro. Contudo não deixará de assumir as conseqüências de seus atos, suas escolhas e seus crimes, ainda que os tenha praticado em conformidade com o destino para ele determinado – e é Ártemis que cuidará disto.
É caro rememorar de que tipo de justiça se está tratando e qual episódio da mitologia clássica é resgatado. Os filhos de Príamo, Páris e Heitor, foram recebidos como hóspedes na casa de Menelau. O motivo desta recepção e do vínculo de hospedagem não cabe no presente trabalho, contudo vale ressaltar alguns aspectos do instituto da Hospedagem – tão importante na ordenação olímpica que é protegido pelo próprio Zeus. A relação de hospedagem implica a formação de uma aliança, um certo aspecto da philia, em que hospedeiro e hóspede celebram – de forma ritualística – a amizade formal que dali em diante deverá ser respeitada de ambos os lados. Caso contrário, é de Zeus que se despertará a ira, e é Zeus que cobrará a restauração do crime perante a vingança. Da parte de Menelau compreende-se que todas as honrarias devidas foram conferidas aos seus hóspedes, entre rituais e presentes. A relação de hospedagem que se formava foi quebrada por Páris, quando seguindo as determinações de Afrodite seqüestra para Tróia Helena, a esposa de seu anfitrião. Era imprescindível que Menelau recorresse a Agamêmnon para reunir os exércitos gregos em direção à vingança contra os troianos. Trata-se de uma afronta não apenas a um marido abandonado, a um anfitrião desrespeitado e uma honra despedaçada – é uma afronta ao próprio Zeus e é ele mesmo que exige a demanda.
De outro lado, sabe-se que a Guerra de Tróia será palco dos maiores feitos e dos grandes crimes dos homens. Ésquilo altera a ordem comum do mito da corça de Ártemis, morta por Agamêmnon antes da partida para Ílion, e o substitui pelo presságio das águias e da lebre prenhe. Transforma o crime a ser pago pelo rei de algo que ele fez para algo que ele ainda fará. O sacrifício de Ifigênia é o seu preço por carregar a justiça de Zeus. A guerra demandará justiça em relação aos próprios justiceiros, ainda que não seja configurada por motivos egoístas de homens viris sedentos de sangue, independente de que esta seja a opinião do Coro dez anos depois da partida das naus. Se a guerra é necessária, também o são suas conseqüências. Isto está em conformidade com a grande determinação de Zeus a respeito do aprendizado por meio da dor, do conhecimento adquirido pela experiência do sofrimento, tal como nos apresenta o coro nos versos 174 a 183[3]:
(...)
Quem propenso celebra a vitória de Zeus
há de lograr prudência em tudo:

ele encaminhou mortais
à prudência, ele que pôs
em vigor “saber por sofrer”.
A dor que se lembra da chaga
sangra insone ante o coração
e a contragosto vem a prudência.
Violenta é a graça dos Numes
sentados no venerável trono.

Portanto, não basta o cumprimento da lei ou da determinação de Zeus para garantir a bem aventurança do homem. Agamêmnon tem o deus a seu lado, mas nem por isso tardará em sofrer, nem as conseqüências das suas ações, nem as conseqüências das ações de seus antepassados, carregadas no tempo e pela maldição.
São várias as abordagens possíveis da escolha de Agamêmnon. Em sua fala, lembrada pelo coro nos versos 206 a 217, nos apresenta o dilema[4]:
(...)
“Grave cisão é não confiar,
“grave cisão, se eu trucidar
“a filha, adorno do palácio,
“poluindo de filicidiais fluxos
“paternas mãos ante altar.
“Que há sem estes males?
“Como ser desertor das naus
“por frustrar o bélico pacto?
“O sacrifício de cessar-vento
“e o virgíneo sangue, desejá-los
“com superfurioso furor,
“é lícito, pois que bem seja!”

Diante de uma escolha inconciliável entre confiar no presságio divino e na previsão de Calcas, e manter a vida da filha, Agamêmnon inclusive consegue perceber claramente o tipo de crime que se pede dele. A deserção da guerra é crime de pena de morte. Sacrificando Ifigênia o rei se tornará impuro, poluído com os “filicidiais fluxos”; um assassino de sua prole, de seu próprio sangue.
O rei é colocado diante de um dilema que não tem como função propor a incoerência da ordem de Zeus, prevenir a Guerra, os crimes e as mortes dos inocentes, mas sim de destacar a Moira do rei – àquilo que lhe cabe em seu destino. Estendem-se a ele apenas duas opções: deixar a tropa, desistir do comando e da demanda da Guerra de Tróia, ou determinar sua impureza e destacar sua culpa, ou melhor, sua parte nos crimes que ainda serão cometidos em Ílion, pelo derramamento do sangue de sua prole por suas mãos. A escolha que ele deve fazer está clara para um homem honrado, um rei de reis que carrega o cetro da justiça de Zeus. Nestes termos que compreendemos a interpretação de Kitto[5]:
(...) o derramamento de sangue injusto pelo qual Agamêmnon será culpado se ele assassinar sua filha é exatamente igual ao derramamento de sangue injusto pelo qual ele será culpado se seguir com esta guerra ‘por uma mulher promíscua’.
A “Cólera filivíndice” nos lembra da maldição que permeia a todos os herdeiros de Atreu, seja Agamêmnon ou mesmo Ifigênia. Uma maldição que, se bem lembrarmos, era comum no imaginário grego. A continuidade hereditária da punição por um crime ancestral – um aspecto do destino recebido de forma passiva pelo homem. Contudo também nos prepara para as conseqüências dos próprios atos do rei, que ao escolher o sacrifício da filha será morto em seu próprio palácio, não por um inimigo em armas, mas pela sua esposa em conspiração com o amante, Egisto. É a porção do destino determinada pelo próprio homem, não apenas pelos adventos divinos. Agamêmnon é pai e é rei, colocado diante de um difícil dilema, e escolhe sacrificar Ifigênia para manter seu juramento perante Zeus.

A DUPLA MOTIVAÇÃO

Trata-se de uma passagem de intenso significado para a verificação da dupla motivação do herói, presente nos traços do imaginário grego, inclusive na tragédia clássica de Ésquilo. O homem tem seu destino traçado por Zeus, seu lugar determinado dentro da ordem divina e social pré-estabelecida, e seus passos vigiados pelas leis sagradas. No entanto não perde a capacidade de determinar-se, menos ainda perde a responsabilidade por suas escolhas e suas ações. Quando o herói é, tal como Agamêmnon, veículo da justiça divina, carrega consigo uma proximidade ainda maior com as determinações de Zeus. O que nestes termos, destaca ainda mais sua própria responsabilidade. Agamêmnon deve assumir tanto seu destino quanto suas ações, e é por esta honra e pela lei dos deuses que cumpre com o Sacrifício de Ifigênia.
Este fenômeno é possível por conta em especial de um aspecto da percepção grega da ordem cósmica no mundo. Há no mundo deuses e homens, e há nas suas histórias clássicas, em especial na épica e na tragédia, o retrato desta visão. Zeus é soberano de deuses e homens, rege ambos os planos. A protagonização do divino na tragédia não é um mero recurso literário, faz parte da própria teologia clássica. Ações divinas influem no plano humano e ações humanas causam efeitos no plano divino. A Guerra de Tróia, a qual Ésquilo toma como o pano de fundo de sua tragédia, tem seu início na esfera divina, no mito do Pomo Dourado da Discórdia, seguida pela escolha de Páris. A Orestéia não termina com o julgamento de Orestes, mas com a resolução do conflito de deidades, a reconciliação das antigas Erínies com os deuses Zeus e os Olímpicos e sua transformação em Eumênides.
Enfim, Ésquilo não nos apresenta um tratado teológico, mas a religião é fundo inegável de sua obra. É viável falar em motivação divina e em motivação humana exatamente porque é possível – e ocorre – a interação de homens e deuses. Uma interação que pode dar-se de diversas formas, diretas ou indiretas. Agamêmnon interage com Zeus. Ele responde às pretensões do deus e é cumpridor de suas leis. Da mesma forma cumpre com a demanda de Ártemis, que em última instância só pode existir em conformidade com a vontade de Zeus, uma vez que se confie na unidade da ordem dos deuses Olímpicos. O agir em conformidade com as leis, pretensões, vontades e desígnios divinos é o agir heróico demandado na mentalidade grega. É aquilo que se quer e que se exige do homem virtuoso, e o homem é virtuoso exatamente na medida em que escolhe honrar aos deuses.
Vale ressaltar que, por um lado, Agamêmnon é apontado por Zeus como a Erínie vingadora, o ministro da sua justiça contra Tróia, e o rei assim cumprirá com sua culpa manifesta, manchado pelo sacrifício da filha. Porém Agamêmnon não possui uma missão divina diretamente direcionada para si por Zeus, da mesma forma que Orestes é orientado diretamente por Apolo nas peças seguintes da Orestéia. Isto torna mais difícil falar de uma consciência em Agamêmnon a respeito das pretensões de Zeus para seu destino. Está claro para o rei que deve punir e vingar àqueles que descumpriram as leis de Zeus, e que deve honrar a aliança dos gregos e sua posição de comando. Mas possui pouca consciência do restante do papel que cumpre nos planos divinos, exceto pelo conhecimento do bom presságio que recebe, em favor da vitória dos gregos sobre os troianos. É desta forma que Kitto direciona sua interpretação sobre a personagem esquiliana[6].
A conjunção das escolhas de Agamêmnon com a determinação de Zeus constrói-se de maneira mais sutil, diferente da decisão explícita de Orestes em cumprir as ordens também explícitas de Apolo, pelo assassinato de Clitemnestra na peça Coéforas. Há um casamento em certos aspectos inconsciente, noutros consciente; pois Agamêmnon dá seguimento à sua própria ruína conhecendo do crime que irá praticar (no sacrifício da filha) e da lei que pretende cumprir (na vingança contra os troianos), por outro lado, está até o final absolutamente desavisado quanto à traição de sua esposa e de seu fim sem honra e sem glória, morto em seu próprio domínio.
Por fim, outro aspecto importante da dupla motivação das ações de deuses e homens é a sua divisão de planos (divino e humano). A ação humana não é a mesma que a ação divina, apesar de compartilharem de um mesmo ‘motivo’. A ação divina é mais como uma força motora que influi na situação humana, tal como um comando ou mesmo uma determinação do destino. De outro lado a ação humana é mais como uma externalização prática mundana da determinação divina – que como vimos, pode ser consciente ou inconsciente. Ou seja, Zeus precisa por em prática sua justiça em prol da busca pelo equilíbrio perturbado com o descumprimento de suas leis. A forma que sua justiça se manifestará no mundo será por meio das ações dos homens, dentre eles o seu general, Agamêmnon, destinado então para comandar as tropas gregas em direção a destruição de Tróia. Agamêmnon por sua vez deve cumprir a lei de Zeus, honrar sua aliança com os outros reis, e seguir adiante com a grande guerra, ainda que lhe custe a vida de muitos guerreiros gregos, o sacrifício de Ifigênia e o seu assassinato pelas mãos da esposa.
Concluímos então que há, na passagem da previsão de Calcas e da decisão de Agamêmnon pelo sacrifício de Ifigênia apresentados pela tragédia Agamêmnon, de Ésquilo, o retrato do fenômeno da dupla motivação da ação do rei em conformidade com o desígnio de Zeus. Que este fenômeno reflete uma determinada mentalidade  religiosa grega, e por isso mesmo pode ser percebido em algumas de suas grandes obras clássicas e literárias. E ainda, que toma espaço no palco e na ação das mais diferentes maneiras, trazendo uma fluidez entre o ato que ocorre no plano divino e o ato que ocorre no plano humano, contudo sem descaracterizar nem a soberania de Zeus e dos deuses olímpicos sobre os homens, nem a autonomia e responsabilidade de Agamêmnon e dos homens por suas ações e seu próprio destino.

BIBLIOGRAFIA

ÉSQUILO. Orestéia I: Agamêmnon. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2004.
KITTO, H. D. F. Form and Meaning in Drama: A Study of Six Greek Plays and of Hamlet. Londres: University Paperback, 1971.



[1] TORRANO, p. 113, 115, 2004.
[2] TORRANO, p. 28 e 29, 2004.
[3] TORRANO, p. 115 e 117, 2004.
[4] TORRANO, p. 117 e 119, 2004.
[5] KITTO, p. 4, 1971. Tradução nossa para: “(...) the lawless bloodshed of which Agamemnon will be guilty if he kills his daughter is exactly parallel to the lawless bloodshed of which he will be guilty if he goes on with this war ‘for a wanton woman’.
[6] KITTO, p. 6, 1971.

Comentários

  1. Oi Fernanda,
    Gostei muito do seu post. De fato, a ações dos homens e dos deuses devem ser vistas lado a lado na tragédia.
    A única coisa que não entendi, ao ler a peça pela primeira vez, foi por que Ártemis estava impedindo a frota grega. Afinal, sob que justificativa ela estava irritada com os gregos? (Acho meio infantil a história da corça, de que Agamêmnon tinha cometido uma falta contra Ártemis antes da viagem. Me parece que Ésquilo não quer de jeito nenhum aceitar essa história.) Dando uma olhada nos versos 131 a 137 e no texto de Torrano (p. 28), Ártemis não queria que a derrubada de Troia fosse prematura. Se for isso, eu acho interessante porque o sacrifício de Ifigênia não era, exatamente, necessário: Agamêmnon quis apenas apressar as coisas. Desse modo, o rei não apenas teria cometido um erro contra sua própria família, como também contra a própria ordem natural das coisas. Afinal, que os troianos iam pagar pelo mal que seu príncipe fez isso é óbvio; porém, nada implica que deveria ser Agamêmnon o instrumento dessa justiça: se a guerra durasse mais anos e Agamêmnon morresse, caberia ao filho dele consumar a justiça. Ao sacrificar sua filha, me parece que Agamêmnon chamou para si a glória de derrubar Troia e esse orgulho é também o motivo de sua queda.
    Outra ideia é que Ártemis estava com dó do fim da linhagem troiana; afinal, Troia devia pagar, mas não precisava ser varrida do mapa. Nesse caso, uma prole por outra não poderia ser uma troca mais justa. Essa é a interpretação que você escolheu, não é isso?

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  2. Oi
    Depois que eu escrevi este comentário, eu dei uma olhada na tradução inglesa de Browning que está no Projeto Perseus. Curiosamente, os versos 126-29 ele traduz assim: "In time those who here issue forth shall seize Priam's town, and fate shall violently ravage before its towered walls all the public store of CATTLE." (grifo meu) Ele traduziu por "gado" o que Torrano, por "tropa"! E de fato, kthnh significa "gado", "manada", "rebanho". Embarcando nessa onda, Ártemis queria proteger os animaizinhos dela e por isso impôs o atraso aos gregos. Será possível?! É engraçado, mas eu acho bem ao estilo.

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  3. Eu sou mesmo uma desnaturada. Obrigada por comentar, Hugo!! Assim que puder lhe escrevo uma resposta mais aprasível.

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