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Kitto - Tragédia Grega, Estudo Literário. Vol. 1. Cap IV p. 179-216

Kitto, H. D. F. Tragédia Grega. Estudo Literário (I Volume). Trad. Dr. José Manuel Coutinho e Castro. 3ª ed. Coimbra: Editora Arménio Amado, 1972, p. 179-216. Capítulo IV - A arte dramática de Ésquilo.

Resumo: Apresenta as características básicas das obras e personagens de Ésquilo, construindo traços interpretativos de sua dramaturgia.

Resumo Analítico/Esquema:

  1. Comparando os três grandes dramaturgos, Ésquilo, Sófocles e Eurípides, com a “receita” sobre a criação de uma boa peça fornecida por Aristóteles: deve-se considerar com cautela as ‘inadequações’ das obras dos autores, inclusive por como foram considerados em sua própria época – grandes obras de grandes artistas.
    1. Dizer que toda grande arte é intertemporal é um equivoco e precisa de ressalvas. A ausência de determinadas informações e os preconceitos, por exemplo, podem levar o observador-crítico a conclusões impróprias.
    2. A diferença histórica entre as obras e os críticos é um fator muito ignorado, mas que já não se justifica mais. Já não se deve mais cair no erro de considerar a perspectiva e sua contemporaneidade como universais ao ler uma tragédia (seja Ésquilo ou Shakespeare). O pano de fundo das obras tem seu próprio tempo e para entendê-las da melhor forma possível é essencial compreender os pressupostos e crenças de sua época. E isto é necessário para permitir um aprofundamento no entendimento da grandeza das tragédias, antes de tentar julgá-las somente nas medidas aristotélicas sem considerar circunstâncias históricas e culturais distintas.
    3. A caracterização da personagem em Ésquilo não é mais importante do que o que está acontecendo na peça. Sua tragédia deve ser vista como uma unidade e não como fragmentos de personagens não tão bem delineadas. Em outras palavras, a personagem é o que precisa ser para a peça, e não o contrário. “Não são as personagens que formam o enredo tanto em Ésquilo como em Sófocles” (p. 194).
    4. Orestes: as únicas fontes de informação sobre a imagem do herói não provém da delimitação de seu caráter e nem mesmo apenas da certeza de sua missão, mas do papel que lhe cabe na tragédia.
  2. Em suas tragédias Ésquilo serviu-se dos mitos e dos pressupostos compartilhados que continham para construir seus enredos. “Serviu-se” porque, diferente dos dramaturgos inferiores, Ésquilo reconstruiu suas fontes, remodelou-as, de forma a dar corpo a seu pensamento. Ele utilizou dos mitos na medida em que lhe servia para transmitir as mensagens de seu interesse, alterando e descartando o que não fosse necessário.
    1. Exemplo: a alteração da razão à ira de Artémis. No mito diz respeito apenas à conduta de Agamêmnon, que enfurece a deusa ao caçar e abater uma de suas corças quando a frota grega pousava em Áulis. Contudo, na tragédia escrita por Ésquilo, Artémis pede o sacrifício de Ifigênia na forma de uma punição pelos crimes que ainda serão cometidos por Agamêmnon e pelos gregos na Guerra de Tróia.
    2. Na Orestéia não é a configuração da história (especialmente a história da maldição) que deu a configuração da trilogia. Nesta perspectiva, Páris e Helena, Ifigênia e Cassandra, seriam elementos “extras” ou apenas necessários de se mencionar por força do mito – apêndices inconvenientes por força da lógica da história. Mas não é simplesmente a narrativa que interessa à Ésquilo. O enredo, principalmente em Agamêmnon, não é centrado nos acontecimentos, mas sim na construção de uma idéia, no caso a mensagem da Dike – dos atos criminosos e seus castigos conseqüentes.
    3. Ésquilo não se preocupa em delinear cada uma das personagens, mas sim de colocá-las onde são adequadas segundo a lógica de sua mensagem, e é a ela que quer a atenção do público. A Orestéia é um drama de deuses e homens, não de alguns indivíduos e suas relações complexas – por isso delineações maiores sobre os personagens seriam detalhes não necessários que desviariam o interesse e a atenção do que realmente se queria dizer.
    4. Pelo mesmo motivo Ésquilo mantém certa distância das personagens entre si, não dando tanta atenção às saudações e despedidas. O dramaturgo não acrescenta no enredo ações que não sejam relevantes para a construção de sua idéia.
  3. A natureza do drama de Ésquilo não é sobre narrativas históricas ou dramas individuais, mas sim de “verdades fundamentais do universo humano” (p. 203), tematizando homens e deuses. A representação dramática de Ésquilo é característica por tornar visíveis verdades e concepções básicas, exprime seus pensamentos e idéias na forma dramática por meio da representação. Ele utiliza todos os recursos que dispõe, seja enredo, ritmo, poesia, musica, dança ou figurino, tornando-os uma unidade para transmitir sua idéia.

Mais comentários podem ser adcionados ao final da postagem, com questões a respeito dela.

Comentários

  1. Olá, Fernanda. Em primeiro lugar, queria dizer que gostei da sua resenha. Nunca li o livro do Kitto, mas ficou bem organizado. Parabéns. Em segundo lugar, queria saber se você tem alguma consideração crítica sobre o que o Kitto trata nesta caracterização geral da Orestéia. Chamou-me especialmente a atenção o distanciamento entre os personagens. Alguma ideia? Abraço.

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  2. Deb,
    Por enquanto, apenas idéias, sem boas bases de discussão. Mas pretendo acrescentar essas questões conforme meus avanços com o assunto n.n
    Obrigada por comentar!

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